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“Aprender a Sonhar”: documentário de cineasta baiano estreia com debate sobre política de cotas na Educação superior do Brasil

Longa-metragem “Aprender a Sonhar” (2025), do cineasta baiano Vítor Rocha, chega aos cinemas de todo o Brasil nesta quinta-feira (2)

Por Albenísio Fonseca – Muito mais que revelar personagens vivos e suas comunidades – indígena, quilombola e periférica – o documentário “Aprender a Sonhar”, do cineasta baiano Vítor Rocha – com estreia nacional neste 2 de outubro – traz à cena a importância da promoção de debates, e não somente em âmbito acadêmico, que levem à avaliação da concepção sobre a educação pública no país.

Concepção que, ressalte-se, somente começou a se consolidar a partir do século XIX, influenciada, dentre outros fatores, pelas transformações sociais decorrentes da transição do trabalho escravo para o trabalho livre.

As primeiras faculdades surgiram em grandes centros, com o objetivo de formar a elite intelectual e política do país. A exemplo, a Faculdade de Medicina da Bahia, criada com a vinda da Corte Real Portuguesa, em 1808, e as faculdades de Direito de São Paulo e de Recife, após a independência, em 1827. As universidades, conjunto de faculdades, no entanto, só seriam criadas a partir do século XX.

Veja-se que a criação, da primeira universidade das Américas, a Universidade de São Domingos, acontece em 1538. Em seguida vieram as de San Marcos, no Peru (1551), México (1553), Bogotá (1662), Cuzco (1692), Havana (1728) e a de Santiago em 1738”.

Primeira universidade – A primeira universidade criada formalmente, no Brasil, mesmo sob controversos relatos históricos, não visou contemplar a produção de conhecimento ou o desenvolvimento do povo. Somente em 1920, quando o rei Alberto I da Bélgica visitou o Brasil, algumas autoridades políticas e educacionais propuseram conceder ao monarca belga o título de Doutor Honoris Causa e descobriram que somente uma universidade poderia conceder tal título. Epitácio Pessoa era o presidente da República.

Decidiu-se, então, pela criação da Universidade do Rio de Janeiro, fundada às pressas, através da agregação da Escola Politécnica do Rio, da Escola de Medicina da Bahia e da Faculdade de Direito de Recife. A Universidade do Rio de Janeiro, contudo, após ter concedido o título ao rei da Bélgica, extinguiu-se e as respectivas escolas de nível superior continuaram a funcionar isoladamente.

As universidades públicas brasileiras somente se tornaram uma realidade mais ampla para a população com a primeira renovação do ciclo de governo dos anos 2000, com a reeleição de Lula (2007-2011), resultando no crescimento astronômico de matrículas na graduação, da expansão de campi no interior do país e do aumento de investimentos em ciência e tecnologia. Isto ocorreu por meio do programa de expansão das universidades, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), em 2007.

Ao mesmo tempo, a outra face da expansão esteve vinculada aos programas de financiamento dos estudantes na educação superior privada: o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) de 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso, e o Programa Universidade para Todos (Prouni) de 2004, já no primeiro governo Lula da Silva.

Os programas se constituíram como formas de crédito estudantil público, ou seja, como porta de entrada para o ensino superior privado, em complemento à expansão do ensino público federal então em curso.

Todos os programas, atualmente, têm como principal critério de classificação o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, criado em 1998, até então secundário nos processos seletivos para graduação. Isto até 2009, quando então se unificou o ingresso.

Para o caso das universidades federais, o ingresso passou a se dar através do Sisu, o que, no campo das ideias, além da centralização e padronização a nível nacional, colaborou para a democratização do acesso ao ensino superior.

Posteriormente, em 2012, já no governo Dilma Rousseff, no sentido de ampliar o acesso, diante das desigualdades presentes na realidade brasileira, foi aprovada a Lei de Cotas, garantindo a reserva de vagas para estudantes formados em escolas públicas e para pessoas pretas, pardas e indígenas, num esforço institucional de inserção de grupos étnicos mais presentes na base piramidal social e com os menores índices de educação básica e do próprio ensino superior.

“Assim, a trajetória recente do ensino superior brasileiro transcorre em duplo movimento: de um lado, políticas públicas que abriram as portas da universidade à população; de outro, mecanismos de privatização que transformaram a educação em ativo mercantil, com instituições pertencentes a grandes grupos financeiros internacionais e capital aberto em bolsas de valores. É nesse entrechoque entre expansão, desmonte e privatização que, de modo geral, a educação superior se reorganizou nas últimas décadas para a formação acadêmica e a produção de conhecimento”, conforme o ensaio “Dilemas do ensino superior brasileiro: entre a expansão e o desmonte”, do professor Miguel Ângelo de Simone San Romão, da Universidade Federal do ABC, para o Grupo de Estudos e Análises da América Latina Contemporânea e publicado no portal GGN.

Segundo ele, “a contradição entre expansão e desmonte é visível, à medida em que
a expansão do ensino superior é fruto de um concomitante desmonte, com a expansão do ensino superior privado, fomentado pelas políticas destinadas à obtenção do crédito estudantil”.

Parece ser mais simples relegar ao setor privado a tarefa de formar a mão-de-obra qualificada do que investir em infraestrutura e recursos humanos que demandam a instituição pública estipula.

A esse panorama soma-se a explosão da oferta do ensino a distância, regulamentado pela Portaria nº 4.059 de 2004 do Ministério da Educação, que substituiu a Portaria nº 2.253 de 2001, e tratava da oferta de disciplinas na modalidade semipresencial.

Em que pese a norma não fazer restrição às universidades públicas, a modalidade de Educação à Distância (EaD) prosperou bem mais entre as instituições privadas, acentuando-se com o período da pandemia de covid-19, entre 2020-2022. O curso com maior incidência na modalidade EaD é Pedagogia, com 852.476 matrículas, com base em dados de 2024: um curso para exercer um ofício na sala de aula, sem estar na sala de aula.

Instituições privadas detêm maioria das matrículas

Conforme o Censo da Educação Superior de 2023, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), cerca de três quartos dos estudantes estão matriculados em instituições privadas, ou seja, 75,5% do total. Essa predominância acompanha os 87,8% das IES do país que pertencem à rede privada e concentram 95,9% das vagas de graduação. Já as instituições públicas respondem por apenas 24,5% dos cursos registrados e 4,1% das vagas ofertadas, sendo que, dentro desse contingente, 65,5% estão em instituições federais.

A modalidade de Educação a Distância (EaD) amplia ainda mais a diferença abissal: somente 13,4% dos cursos EaD são públicos, enquanto que no setor privado o índice chega a 80,4%.

O certo é que a face (precarizada, vale acentuar) da expansão do ensino superior é privada, concentra a imensa maioria dos cursos e matrículas, tanto na modalidade remota quanto na presencial.

Consolidação das cotas – A consolidação das cotas para pessoas negras, indígenas, de baixa renda e provenientes de escolas públicas nas universidades brasileiras tem gerado uma diversificação dos públicos atendidos nas reservas de vagas. É o que demonstra ampla reportagem de Bruno Alfano no jornal O Globo.

Segundo ele, grupos como ciganos, população do campo, refugiados, presos e filhos de policiais mortos em serviço passaram a ser beneficiados nos últimos anos com regras criadas pelas próprias instituições de ensino em diferentes contextos.

O caso mais relevante é o de pessoas transgênero, cujo número de vagas dobrou de 2024 para 2025.

140 mil vagas – Juntas, a quantidade total de vagas para cotistas somou 140 mil na última edição do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), momento em que os alunos usam a nota de Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) para concorrem a vagas nas universidades. Já a da ampla concorrência passa de 120 mil, demonstrou.

Apenas no Sisu de 2025 foam 857 vagas destinadas a travestis, transexuаіs е pessoas não-binárias, maior número já registrado desde 2019 quando foram criadas as primeiras reservas para pessoas trans no sistema de seleção. A maior parte dessas vagas, no entanto, também exige do candidato um limite de renda e ou ter estudado [exclusivamente] em escola pública. Nove universidades, como a Federal Fluminense (UFF), a Federal de São Paulo (Unifesp) e a Estadual da Bahia (Uneb), adotaram a medida no último ano

Na UFF, por exemplo, 2% das vagas de graduação são destinadas às pessoas trans que estudaram em escolas públicas. Em 2025, isso significou 221 vagas em 132 cursos diferentes.

Para comprovar a autodeclaração, os candidato precisam ainda “descrever a trajetória da transição de gênero e o processo de afirmação da identidade de gênero, assim, entendidas como conjunto de caracteristicas que compõem a transgeneridade. Depois, ainda passam por uma banca de heteroidentificação, formada por pessoas da comunidade escolar, que confirmará ou não a autodeclaração do candidato.

Ensino público como exigência – A Lei de Cotas foi criada em 2012 e renovada em 2024. Ela prevê que as universidades e institutos federais devem reservar pelo menos 50% das vagas para pessoas que se formaram na escola pública. A norma prevê ainda que elas podem ser mais focalizadas, destinando vagas para auto declarados pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência.

Além de pessoas trans e ciganos, o Sisu 2025 também teve 278 vagas reservadas para refugiados, 155 para profesores de escolas públicas, 99 para indígenas aldeados, 73 раrа роpulação de campo, 61 para filhos de policiais e bombeiros mortos em serviço, 44 para surdos e 39 para prisioneiros. A maior parte das vagas, no entanto, está reservada para os grupos previstos em lei: negros (83 mil vagas), indígenas (75 mil), pessoas com deficiência (18,5 mil) e quilombolas (oito mil).

Além de pertencerem a esses grupos sociais, os candidatos precisam se enquadrar em critérios de renda que, em geral, é de 1.5 salário minimo, mas pode variar e terem sido alunos de escolas públicas pelo meпоs no médio. Algumas instituições também proibem que o candidato tenha estudado a partir do 6º ano em
colégios privados para estar apto a vaga. Há ainda um grupo de 166 mil vagas que qualquer aluno formado em escola pública pode concorrer, independentemente de cor, etnia ou grupo social a que pertence.

Inicialmente contestada, é preciso enfatizar que a reserva de vagas não diminuiu a qualidade da educação no país.

Avanço e Desmonte – De 2014 a 2023, as Intituições de Ensino Superior federais passaram de 107 para 121 Campi, sendo que este número engloba 69 universidades federais, 1 centro universitário, 10 faculdades e 41 institutos federais e centros federais de educação tecnológica.

Após o período de forte expansão entre 2004 e 2010, contudo, o desmonte se aprofundou, em última análise, como resultado direto dos rumos fiscais tomados com a Emenda Constitucional 95 de 2016, conhecida como “teto de gastos”, no governo Michel Temer.

Ao congelar o gasto público, a medida relegou a segundo plano a crescente necessidade de manutenção e de novos investimentos nas universidades federais, decorrente da própria expansão realizada nos anos anteriores. Os investimentos do governo federal caíram abruptamente, pasme, de R$ 6,586 bilhões em 2014 para apenas R$ 413 milhões em 2021. Uma redução de 93%.

Com o retorno de Lula da Silva à presidência o ambiente voltou a ser o da perspectiva do futuro ao alcance das mãos para os que ocupam a base da pirâmide social. E é sobretudo isso que nos sinaliza, com sensível fotografia, inserção nos ambientes de um passado comunitário e sua abordagem da trajetória de cada um dos seis principais personagens, o filme de Vítor Rocha. Sim, estamos “reaprendendo a sonhar”.

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